O
encontro de Paulo Freire com Xaquiamuni Buda
Texto de Monja
Heishin
Entre duas árvores, na Floresta dos Educadores, estavam
Xaquiamuni Buda e Paulo Freire, no tempo, além tempo, em grande intimidade,
compartilhando sabedoria.
As suas vozes, tranquilas, eram interrompidas por
alguns momentos por sorrisos de contentamento.
Os discípulos de Buda e de Freire ficaram em plenitude
ao observar o encontro e, atentos, ouviam silenciosamente.
Estavam juntos dois mestres, professores que, por meio
de suas experiências pessoais, resultado de grande determinação por compreender
o sentido da vida, caminharam para além dos limites de uma mente passiva, telespectadora
da vida, para uma mente de sabedoria, desperta e transformadora.
Freire,
afagando a sua longa barba branca, tecia uma reflexão silenciosa. Levantando os
olhos disse tranquilamente a Buda:
- Amigo, o que me motivou como educador foi a clareza
da urgência de uma pedagogia que promovesse o resgate da dignidade humana,
assim, a transformação pessoal, social e política, e não que reproduzisse
modelos de pensamento de classes dominantes promotoras de exclusões e de desigualdades
sociais.
O processo de alfabetização de adultos pelo qual me
dediquei não consistia em apenas ensinar a ler ou escrever palavras, mas a promover,
por meio de palavras do cotidiano e da realidade desses alunos, reflexões. Os
alunos exercitavam a “leitura” de suas vidas e compreendiam a sua própria
história. E, a partir dessa compreensão habilidades se desenvolviam para
transformá-la.
Buda, com seu olhar atento e brilhante sorri e diz:
Freire, a mente iluminada, desperta, é aquela que
acessa a realidade de todas as coisas, aquela que vê em profundidade. Somos
toda a vida da terra, como uma teia, intersomos com tudo o que existe.
Conhecer a si mesmo e compreender essa realidade
permite desenvolver uma observação clara de quem somos. Conhecer a si mesmo é
observar o funcionamento da mente. Identificar apegos e aversões; identificar
as ilusões que se tornaram verdades assim, delusões que levam ao sofrimento, a
insatisfações. Assim, essa leitura da realidade que você provocava em seus
alunos é o processo natural do despertar da mente. Mas, o que move o olhar em
profundidade é a Compaixão, isto é, a profunda atenção às necessidades de todos
os seres vivos. E, aquele que sofre e aquele que promove sofrimento são
igualmente vítimas, em grande parte, de suas mentes deludidas.
Caríssimo amigo, complementa Freire: sim, desenvolvi
trabalhos destacando para a importância do ato de “ler” o mundo. E, nessa leitura, promover a percepção de que a
educação dominante promove exclusões e injustiças, portanto sofrimento, fortalecendo
intolerâncias. Sempre tratei da relação opressor e oprimido e que quando o
oprimido sai da condição de opressão, reproduz o modelo e torna-se opressor.
Compreendo, amigo Buda, que ao olharmos em profundidade os modelos que promovem
sofrimento, esse sofrimento é de ambos os lados. É necessário atuarmos para
estabelecer conexões entre situações tensas de conflito para transformá-las. A
educação deve contribuir para o entendimento do mundo e a preparar a todos para
atuar nele, mas ainda é necessário conectar a educação a realidades cada vez
mais amplas, à realidade das necessidades humanas. A diversidade é a riqueza da
vida.
Buda complementa com especial energia:
- Olhar em profundidade, olhar de longo alcance, que
“vê” os sons, os lamentos do mundo, de todas as formas de vida, Freire. Intersomos
com a tudo o que existe. Somos resultado de infinitas causas e condições. E, as
nossas escolhas e respostas interferem na teia da vida. Tudo está em transformação, nada é fixo,
inclusive modelos e culturas.
Tenho dito a todos os meus discípulos de que a
insatisfação existe e que há causas que a promovem. É necessário conhecer essas
causas e por meio dos ensinamentos é possível a cessação das insatisfações.
Como você, Freire, apresento aos meus discípulos meios claros para esse
esclarecimento.
Amigo Freire, diz Xaquiamuni Buda, caminhemos um pouco
mais pela Floresta de odores perfumados de cedros, jacarandás e jatobás... venha
tomar um chá comigo.
Sim, amigo, vamos. O chão é firme e as folhas o
amaciam, os pássaros sobrevoam sobre os galhos frondosos. Os seus e meus alunos
cobrem toda a planície. As suas escolhas beneficiarão inúmeros seres.
Assim, Xaquiamuni Buda e Paulo Freire seguiram para
dentro da Floresta dos Educadores, abrigados pelo sol do entardecer...